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Talentos da casa: servidores buscam boa energia e valorização cultural através dos sons

Música e educação estão juntas nos campi Penedo e Satuba.
publicado: 27/10/2020 17h12, última modificação: 23/05/2024 14h26

Pedro Barros e Roberta Rocha - jornalistas

Três docentes do Campus Penedo encontraram na música uma forma de se expressar e de agregar valor à existência: Márcio Abreu, professor da Sociologia, Carlos Marcelo Gomes, Geografia, e Francisco Rego Filho, Física, descobriram cedo a afinidade com o universo dos sons.

No caso de Marcelo, o primeiro contato com o instrumento que hoje toca foi aos 12 anos. A mãe comprou um teclado para a família e, de forma autodidata, ele passou a treinar com cifras encontradas na internet.

“Desde criança, a música me fez companhia. Era fascinado pelos discos dos meus pais. Com uns cinco anos, ouvia muita música sozinho e tentava identificar os sons. Durante minha adolescência, dediquei muitas horas ao teclado e ao violão, por isso, vejo tudo como um processo cumulativo: ouvir, aprender, errar, ouvir novamente, recomeçar… Muito semelhante ao estudo, no que viria ser o mundo acadêmico para mim”, conta o docente.Marcelo Gomes, nos teclados com a banda Manifestação. A foto é de autoria de Marcos Fraga.jpeg

A conexão entre e a música e sua escolha profissional, a licenciatura em Geografia, encontrou caminhos para fluir. É que a música, segundo o Marcelo, permitiu realizar leituras de determinada realidade e, embora diferente da linguagem científica, se constituiu também como uma via para interpretar o mundo.

“Conheci uma dimensão da América Latina que nunca imaginei através da música: a resistência da Nueva Cancion Chilena, a música pulsante dos cubanos no Buena Vista Social Club, o groove jamaicano no reggae, ska e rocksteady. Há uma intertextualidade musical! A leitura de mundo vai se encaixando com a arte. A música pode ser ferramenta na sala de aula, quando se usa Belchior para discutir a ida de nordestinos para São Paulo nas décadas de 70 e 80, Racionais para debater metropolização e desigualdade ou Chico César para analisar a questão agrária no Brasil”, ressalta.

Marcelo fez parte de uma banda chamada Ato Libertário, mas desde 2015, ano em que ingressou no Ifal, domina os teclados da banda sergipana de reggae Manifestação. O grupo já lançou um álbum, três singles e quatro clipes e conquistou, em 2019, o terceiro lugar no Sescanção, maior mostra de música de Sergipe.

A arte de se conectar aos outros

A trajetória do professor Marcelo Gomes com os teclados se assemelha à do professor Márcio Abreu com o violão e a guitarra: trata-se de um caso de amor antigo.

Da infância, Márcio guarda a memória afetiva de quando conseguia fitas K7 com os vizinhos ou se juntava com os irmãos e os pais para ouvirem discos e o rádio. Aos 13 anos, começou a tentar reproduzir aquelas canções no violão antigo do pai, por conta própria, mexendo nas cordas de forma aleatória. Quatro anos depois, já familiarizado com aquele instrumento de corda, veio o contato com a guitarra.

Márcio Abreu se apresentando com os músicos de A dOBRA..jpeg“De certa forma, fazer música é um jeito de se comunicar e interagir com outros e consigo mesmo, é uma forma de terapia. Não sei se seria a pessoa que sou hoje se não tivesse aprendido a me comunicar, de alguma forma, através da música. Isso tem a ver com o desenvolvimento de autoestima, confiança, concentração e mesmo da capacidade de dizer algo que não poderia ser dito de outra forma”, comenta o professor, que desde 2012 integra a banda pernambucana A dOBRA.

Em 2017, Márcio ingressou como docente de Sociologia no Campus Penedo e, ao longo desses anos, diz ver na educação um processo de conexão com as pessoas, tal qual na música.

“Como musicista e como docente, tento deixar algo que seja importante na vida de outras pessoas. A pretensão do musicista e do professor é a mesma: ambos tentam fazer com que, a partir de uma relação afetiva e de confiança, algo significativo brote no outro através de sua atuação. A razão de ser de ambos é estar conectado às pessoas. Na sala de aula ou no palco, o desafio não é apenas transmitir informação (sonora ou visual), mas desenvolver nas pessoas o entusiasmo que eu mesmo sinto, com o conhecimento ou com a arte e fazê-las compreender o quanto a imersão nessas duas dimensões da existência humana modificam completamente as nossas vivências. E para melhor”, afirma.

Para ele, na sala de aula ou no palco, há um público à espera, há preparação e cuidado envolvidos, há o desejo de contribuir e de“fazer valer o tempo que o outro dedica para te ouvir”. Com a banda A dOBRA, Márcio tem tocado em vários festivais. O primeiro EP do grupo, Raiz Exposta, está disponível nas principais plataformas de música e o segundo disco encontra-se em fase de pré-produção.

Contribuição educacional e cultural

A vontade de impactar positivamente a vida das pessoas seja pela educação ou pelo despertar da emoção que a música proporciona é o que instiga o professor de Física Francisco Rego Filho a também se dedicar às duas atividades. Há 11 anos, ele toca xequerê, instrumento de percussão africano, no grupo de maracatu Baque Alagoano.

“O que me motiva é a satisfação de participar de algo que é maior do que eu. Porque o legado da cultura popular não pode morrer. E acho que é assim com a sala de aula, com o ato de ensinar, de sentir que os alunos começam a aprender, a gostar da disciplina. Isso se torna também algo maior do que eu. Porque maior do que a minha atuação na sala de aula é o efeito que isso vai ter na vida dos estudantes”, explica o docente.

Ele comenta que tem dois legados a defender, o da cultura popular e o da educação, mas os paralelos entre a vivência com a música e a vida profissional no Ifal, iniciada em 2019, não param por aí. Para Francisco, as sensações são semelhantes no “antes e depois” da atuação docente e da atuação artística.Francisco Rego Filho, na quarentena, produziu mais um xequerê em casa.jpeg

“Todas as vezes que eu entro em sala de aula, estou sempre muito preocupado com tudo que vou falar, com tudo que vou fazer, para ser bastante preciso. Isso me traz uma ansiedade, um friozinho na barriga e o mesmo eu sinto toda vez que vou entrar no palco para uma apresentação. Por mais que eu tenha uma experiência de mais de 10 anos no maracatu, toda apresentação eu sinto que posso fazer alguma coisa de errado, então eu fico naquela expectativa de fazer tudo certinho, tudo bonito. E quando termina, que eu vejo que as pessoas estão gostando; que as pessoas de certa forma admiram aquilo que acabei de fazer, é uma relação muito próxima do efeito que tem em mim quando vejo isso acontecendo em sala de aula. É a mesma satisfação”, resume o batuqueiro.

Com inclinações musicais desde a infância, Francisco aprendeu a tocar xequerê em uma oficina do grupo Baque Alagoano, em 2009. De lá para cá, passou a confeccionar o próprio instrumento e, há cerca de dois anos, vem tocando também alfaia. Como projeto paralelo, integra o Rock Maracatu, que mistura clássicos do rock com a percussão de maracatu.

O alagoano que cresceu em São Paulo acredita que seu envolvimento com esse universo fortaleceu a ligação com suas origens, o ajudou a superar preconceitos em relação às religiões afro e, como contribuiu para seu enriquecimento pessoal, indiretamente beneficiou sua trajetória como educador.

“O maracatu me trouxe esse contato com a cultura popular de Alagoas, trouxe a cultura popular para a minha vida. Ajudou a quebrar paradigmas. Trouxe realização pessoal, pelo fato também de tocar percussão, que é praticamente marcação de tempo, é uma coisa muito exata e isso me agrada: a precisão dos movimentos, essa matemática da música. Então se, de forma geral, me faz ser uma pessoa melhor, talvez me faça ser um professor melhor”, conclui.

Cura para o corpo

No Campus Satuba há quem toque violão, guitarra, sanfona; há quem se dedique ao canto erudito ou popular e há também aqueles cujo jeito de cujo jeito de amar a música é apenas apreciando a sua beleza - ou dançando seu ritmo! Quando os alunos passam em frente da sala da Coordenação de Gestão de Pessoas do campus, poucos sabem que ali existe o sanfoneiro Fabrício Amorim.

 “Numa noite aqui em casa, estava com uma dor de cabeça tão grande! Nem tomei remédio, nem nada. Peguei a sanfona, comecei a tocar aqui na cozinha, uns 15 a 20 minutos. Você acredita que a dor de cabeça passou? Parece um analgésico!”, conta o técnico-administrativo Fabrício Amorim, também conhecido como “Fabrício do Acordeon”.

O servidor relata que, antes da sanfona, já vinha aprendendo a executar outros instrumentos, desde a infância. “Meu pai foi quem despertou em mim o talento da música. Comecei a tocar com a pianeta, um instrumento parecido com a escaleta, só que de brinquedo. Depois aprendi violão e me adaptei bem, mas me identifiquei mais com o teclado. Meu pai que me ensinou a tocar teclado. Eu fui tecladista, tinha um rapaz que cantava comigo e eu só tocava. Mas eu via os sanfoneiros tocando e achava muito bonito. A vontade de aprender era maior que tudo”, continua.

A complexidade do instrumento não desanimou Fabrício. “Arranjei dinheiro e consegui comprar minha primeira sanfoninha. Meu pai sempre dizia: ‘aquilo é muito difícil’. Como a sanfona, na mão direita é a mesma coisa do teclado, comecei a dar os primeiros dedilhados. A parte esquerda, que são os baixos, é a mais complicada. Então, eu praticamente aprendi a tocar sanfona sozinho, mexendo, reinando”, explica.

Fabrício (sanfoneiro), Abner (vocalista) e Índio(zabumbeiro) formam trio.jpegO servidor conta que formou seu trio nos últimos quatro anos, depois de ter tocado em bandas de forró e de fazer parte do grupo Dinâmicos do Forró. 

“Eu acompanhava na sanfona, zabumba ou triângulo. A gente ia revezando. Depois eu decidi montar meu projeto, porque a procura no São João era muito grande. Enquanto eu tocava com ele, pessoas me procuravam por fora, para tocar”, recorda.

Quem embarcou no projeto como vocalista foi Abner Buarque, ex-aluno do Campus Satuba e atualmente estudante de Agronomia e que sempre acompanha Fabrício nas apresentações. O zabumbeiro atual é o senhor apelidado de “Índio”, profissional da música e pintor da construção civil.

Com seu ritmo nordestino, o grupo já se apresentou em algumas ocasiões no campus, como no Arraiá do Bené, evento de São João promovido pela Biblioteca Benevides Valente Monte, e na Semana do Servidor.

“Gosto muito do forró. Ele representa nossa cultura. É um ritmo animado, dançante, que em suas letras traz histórias de amor, cenas do nordeste, da caatinga, do nordestino lutador. Cada música retrata uma história diferente. E forró é só um dos segmentos: tem xaxado, xote, baião, arrasta-pé...”, comenta.

Hoje Fabrício diz que a música é algo irrecusável em seu dia a dia. “Eu posso estar onde estiver, fazendo o que for, mas sempre vou querer ter meu instrumento para tocar. Não abro mão disso, de jeito nenhum. A música é meu lazer, é o complemento da minha vida. Sem ela, eu não seria a mesma pessoa”, conta Fabrício.

O trio tem um canal no YouTube, onde divulga trechos de apresentações e alguns exercícios para os interessados em aprender a tocar sanfona.  

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