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Talentos da Casa: professores exercem ofícios ligados aos prazeres da infância

Docentes de Maceió e Penedo contam como brincadeiras os levaram ao exercício profissional

publicado: 26/10/2020 12h22, última modificação: 26/10/2020 13h35

Jhonathan Pino e Lidiane Neves - jornalistas

Bem antes de ser professor de Design de Interiores do Campus Maceió, Eduardo Bastos já era fascinado pelas formas. Influenciado por colegas de escola, ele se interessou pelo desenho, ainda quando criança, e com o apoio da mãe, pôde fazer seus primeiros traços.

“Minha mãe, logo que percebeu essa minha vontade, comprava materiais de desenho e pintura e sempre elogiava tudo o que eu fazia. Fui crescendo e comecei a pensar numa profissão que tivesse uma relação com desenho e com a Matemática, outra disciplina que gostava”, recorda.Aurorretrato de Eduardo Bastos.jpeg

A necessidade de escolher uma profissão e os conselhos de seu irmão mais velho os levaram à Arquitetura. “Fiquei curioso sobre o curso e fui à Ufal [Universidade Federal de Alagoas] visitar o departamento. Lembro que fiquei encantado, com as salas cheias de pranchetas verdes e não deu outra, comecei a cursar Arquitetura”, comenta.

Foi na faculdade que Eduardo teve a oportunidade de se aperfeiçoar no desenho, principalmente no desenho da perspectiva, mas isso não tiraria dele o interesse pelo desenho artístico, por isso ele buscou ter aulas com nomes como Pierre Chalita e Salles Tenório.

“Minha técnica preferida é a aquarela, apesar de ter feitos trabalhos a óleo, pastel seco, lápis de cor e acrílica. Gosto muito do desenho urbano, já desenhei muitos edifícios históricos - que ainda restam em pé, de Maceió”, observa.

Seu interesse pela urbanidade o levou a entrar em um grupo de "urban sketchers", e participar do "Sketchers do Brasil"(2016), uma coletânea de desenhos de vários arquitetos e artistas, cada um representando sua cidade.

Ilustração de uma de um livro que fez em parceria com o professor  Sávio Almeida“Com o tempo fui começando a gostar de temas sociais que denunciassem o sistema de exploração e opressão que vive o povo do Nordeste. Comecei a pesquisar e alguns pintores brasileiros me fascinaram: Portinari, Carybé, Di Cavalcante, entre outros”, comenta.

Atualmente os trabalhos de Eduardo podem ser vistos nas redes sociais: @edubastos100. Parte deles também já integraram exposições coletivas e duas exposições individuais com curadoria da professora Socorrinho Lamenha.

“Atualmente me considero um artista eclético, gosto de representar aquilo que tenho vontade com variadas técnicas e suportes. Acredito também que a Arte deve provocar, ser engajada, temos aí um mundo doente, pessoas sofrendo com a fome, a falta de políticas públicas e a miséria. O meio ambiente sendo devastado pela usura de uns poucos e o crescente processo de favelização nas cidades. Creio que o artista deve ter um olhar diferenciado e sensibilidade para fazer denúncias, críticas, através de sua forma de se expressar, sua indignação e sua arte”, se define.

Da pintura em tecido para a sala de aula

Professora de Arte do Campus Penedo recém-chegada, Norberta Silva tem um trabalho autoral de pintura, cuja habilidade antecede sua formação como bacharel e licenciada em Educação Artística pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Até 2002, ano em que ingressou no curso superior, ela trabalhava com o marido como comerciante e gostava de pintar telas para presentear parentes e amigos.Norberta Silva aprimorou uma técnica que ele desenvolveu em sua graduação em Artes Plásticas.jpg

“Pintava flores, animais, paisagens, mas possuía uma concepção de arte diferente do trabalho que desenvolvo agora. A academia me proporcionou isso, fazendo com que a minha técnica e poética mudassem bastante”, relata.

A servidora inicialmente optou pelo bacharelado com habilitação em Artes Plásticas para se profissionalizar como artista, mas em seu percurso, decidiu cursar a licenciatura plena na mesma área, para se tornar arte educadora.

“A docência é algo muito gratificante. A gente se vê dentro de uma sala de aula e nunca mais quer sair, foi o que aconteceu comigo, desde 2007 quando me formei”, ressalta.

Desde então, o trabalho autoral foi sempre conciliado com sua atuação como professora. “É um percurso de encontro. Quando proponho um trabalho para meus alunos, estou propondo para mim mesma e desenvolvo junto com eles. De alguma forma, isso traz para a arte educação a reflexão do fazer, de pensar a arte. E, quando desenvolvo meu trabalho autoral, acabo levando o que aprendo com os alunos. É uma troca. A partir de alguma inquietação que proponho, por exemplo, o estudante pode trazer algo que, até então, eu não tinha pensado e acabo absorvendo isso”, afirma Norberta.

Norberta Silva retrata o ser feminino em suas obras.jpgNo entanto, ela diz não saber exatamente até que ponto essa vivência influencia seu trabalho autoral. “É algo que eu preciso pensar ainda e aprofundar essa reflexão”, completa.

O trabalho de pintura da docente resulta de uma técnica própria, desenvolvida na época da faculdade.

“Como eu estava no bacharelado, eu precisava apresentar algo genuíno, então me dediquei a uma pesquisa bastante trabalhosa, por querer apresentar algo que dialogasse com meu tempo, com a contemporaneidade”, diz, referindo-se à técnica em que usa tecido transparente.

Como se fosse uma aquarela, ela expõe esse trabalho instalado, não em paredes, mas a partir do teto, de modo que espectador e espaço possam dialogar com a obra de vários ângulos, através da transparência do tecido.

A poética trabalhada por Norberta é vinculada a essa técnica própria é a do ser feminino. “É um tema que gosto muito de trabalhar, por eu ser mulher, pelo fato de a maioria das pessoas mais importantes na minha vida ser do gênero feminino, sou também mãe de duas mulheres. Então, tudo isso pesa muito em meu processo de criação e de expressão”, destaca.

Em 2009, Noberta foi premiada no Mato Grosso pela exposição da obra “Vestir o desconforto”, fruto de seu trabalho de conclusão de curso. “Com essa obra eu tento expressar o desconforto vestido por mim e por outras mulheres no meio em que circulo. Trago neste trabalho a questão feminina de estar no mundo, de dialogar com esse mundo diverso e o sentimento de desconforto presente em mim, e acredito que também em outras mulheres”.Obras de Norberta Silva são levadas para a sala e os corredores do Ifal.jpg

Além do Mato Grosso, Norberta já participou de outras exposições em Alagoas, Pernambuco, Goiás e Rio de Janeiro. Como docente efetiva da Rede Federal há apenas quatro anos e meio, quando foi aprovada em concurso do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), ela diz hoje se sentir realizada, tanto como professora quanto como artista.

“Sempre sonhei estar na Rede e conquistei esse espaço. Eu só queria um pouco mais tempo, pois sinto que meu ingresso já foi um pouco tardio, mas me considero ainda com muita força, saúde e inspiração. Costumo dizer que já plantei árvore, tive filhas e escrevi capítulo de livro. Agora, não quero morrer antes de expor um trabalho num salão de arte em Veneza, na Itália”, brinca a servidora.

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