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Ifal Campus Satuba, 105 anos: vidas e histórias V
Entre os professores do Instituto Federal de Alagoas - Campus Satuba que foram alunos da instituição está o professor Alonso Pereira. Recentemente aposentado, após 40 anos de convívio, sendo 37 deles como professor, Alonso é figura constante na área da escola, sempre presente e disposto a continuar colaborando com a instituição.
Natural de Feira Grande, filho de trabalhadores rurais, a tradição na família era trabalhar desde criança na roça e, aos 18 anos, ir para São Paulo. Estudavam apenas as séries iniciais. "Para o meu pai, estudo não dava resultado. O valor estava no trabalho", explica Alonso.
A revelia da vontade do pai, Alonso estudou. Terminou o ensino fundamental em Arapiraca e depois veio estudar na então Escola Agrotécnica Federal de Satuba. Aluno de destaque, ao terminar o curso foi convidado a permanecer como servidor. Foram 40 anos de dedicação: três como aluno e 37 como professor.
Após terminar o curso de técnico agrícola, Alonso influenciou os irmãos e muitos foram estudar, três deles também em Satuba. “Meu pai, com o tempo, entendeu a importância do estudo na vida dos filhos”, analisa, sem mágoa.
A aposentadoria não o afastou do Ifal. Alonso continua fazendo parte do cotidiano do campus, participando de atividades comemorativas com servidores e mantendo projetos que envolvem plantio de mudas no campus e na reserva de mata atlântica, além de oferecer o suporte de sua experiência sempre que necessário.
Em junho, na inauguração da nova sede do meio Ambiente do campus, o professor Alonso foi homenageado pela vida dedicada à educação. Anselmo Lúcio, diretor-geral do campus, discorreu sobre a contribuição do professor à instituição e agradeceu por seu trabalho desprendido e postura ética.
Relato:
Eram 20 irmãos: dez homens e dez mulheres. Os homens, conforme cresciam, partiam para São Paulo. Alonso analisava as notícias que chegavam por carta. "Meus irmãos escreviam e sempre relatavam que se tivessem pelo menos a 8ª série, poderiam participar de um curso ou se tivessem o ensino médio poderiam ser promovidos. Então eu decidi que estudaria", lembra. Decidiu que só iria embora se ficasse sem opções.
Para tornar a decisão realidade, o menino Alonso acordava cedo, fazia as obrigações na fazenda durante todo o dia para, no final da tarde, andar, todos os dias, 12 quilômetros a pé e 18 quilômetros no transporte, estudar em Arapiraca e completar o ensino fundamental.
“Quando eu estava iniciando a 8ª série, meu pai me chamou e disse que eu não poderia mais estudar porque meus irmãos mais velhos tinham todos ido embora e ele precisava de mim no trabalho da fazenda. Foi ai que decidi fugir de casa. Fui morar com um tio meu, em Arapiraca. Arrumei um emprego no Bom Preço e comecei a guardar dinheiro. Eu tentaria estudar e se não conseguisse, iria pra São Paulo”.
Para prosseguir os estudos precisaria de uma escola com regime de internato. Se inscreveu para as seleções das escolas técnica de Maceió e a agrotécnica de Satuba. Foi para Satuba na segunda chamada e dali não mais saiu. “Na realidade eu não passei na seleção. Quando fui buscar as cópias dos meus documentos, um senhor que estava na secretaria perguntou para que eu os queria de volta. Contei minha história e expliquei que, como não havia passado, iria embora, trabalhar em São Paulo com meus irmãos. Acredito que ao apertar minha mão na saída, sentiu que eram as mãos calejadas de um jovem trabalhador rural que tinha vontade genuína de estudar. Nesse momento ele me encarou, pegou de volta meus documentos e disse: Não viaje agora. Espere três dias. Se nesse prazo você não receber um telegrama, pode comprar sua passagem”. No terceiro dia Alonso recebeu o telegrama de convocação para a matrícula.
O servidor era o professor Alberto Antonio de Holanda Ferreira, o então vice-diretor da escola e diretor de disciplina. Segundo Alonso, na época, muitos alunos que passavam na seleção, não se adaptavam ao regime de internato e trabalho. Aí sobravam algumas vagas para uma segunda chamada. “Uma forma de garantir a permanência ou diminuir a evasão, era aceitar jovens trabalhadores rurais, que se comprometiam mais, se empenhavam em estudar e aproveitar ao máximo a experiência”.
Ao começar na escola, todos perceberam que ele tinha muita prática no trabalho do campo. “Começamos a trabalhar. Tinha muito mata e eu, sabendo que faria esse tipo de trabalho, trouxe uma estrovenga de casa. Meu pai mandava fazer pra gente porque era melhor que a foice para cortar o mato e eu tinha muita prática. Como ninguém tinha visto nada parecido, foi juntando gente. Mandaram chamar o professor, que mandou chamar o diretor. A partir daí fiquei conhecido pelo conhecimento prático que eu tinha em tudo que era relacionado com o trabalho no campo. Sempre era requisitado em vários departamentos da escola e em muitas vezes, os professores pediam que eu demonstrasse aos colegas, durante as aulas, as maneiras corretas de se realizar vários procedimentos.
Sobre a relação com o pai, Alonso diz que compreende a rejeição pelos estudos."Eu nunca ignorei meu pai por isso. Os exemplos de estudantes que ele tinha não eram bons. Antigamente, antes da minha época, o tempo na escola era de sete anos. De 5ª a 8ª mais o ensino médio. O que ele via: lá pelo 5º ou sexto ano de escola, os rapazes, quando voltavam da escola, voltavam cabeludos: meu pai não gostava de cabeludos; não ajudavam os pais no trabalho: eram malandros; e não iam à igreja: eram ateus. Meu pai não queria nada disso para os filhos dele e esse essa o conceito que ele tinha de estudante: malandro, preguiçoso e ateu".
E assim se passaram os três anos. Alonso relata que na época em que terminou o curso, muitos professores estavam se aposentando, então foi convidado para permanecer na escola como professor e aqui ficou até hoje. “Estou aposentado, mas não saio da escola nem ela sai de mim. Estou sempre pronto a ajudar, a retribuir um pouco pelo que ela me deu”.