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Trabalho de estudantes do Ifal Penedo dá visibilidade aos impactos da salinização da água em comunidade ribeirinha

TCC dos egressos do curso de Meio Ambiente, João Luís Filho e Denise Santos, rendeu publicação de artigo em revista científica.
por Lidiane Neves publicado: 09/10/2020 13h37, última modificação: 23/05/2024 14h32

Não é fato recente que a comunidade ribeirinha de Potengi, em Piaçabuçu (AL), sofre os impactos da salinização da água na foz do rio São Francisco. O assunto já foi pauta na imprensa alagoana, com reportagens sobre como o avanço do mar, provocado principalmente pela baixa vazão do Velho Chico, tem afetado o ecossistema e a qualidade de vida da população dessa região.

O que é fato novo, e coloca o Instituto Federal de Alagoas (Ifal) – Campus Penedo em destaque, é o olhar científico sobre o problema. E é esse olhar, resultado de um trabalho de conclusão (TCC) do curso técnico em Meio Ambiente, que se encontra materializado em artigo recentemente publicado na Revista Agro@mbiente On-line, periódico científico bilíngue da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

Estudo sobre salinização da água na comunidade de PotengiO TCC, cujos dados embasam o artigo, foi realizado pelos estudantes João Luís Vital Filho e Denise Souza Santos, sob a orientação da professora Gleica Martins. A apresentação ocorreu em junho do ano passado e, pelo caráter inédito do estudo e relevância dos dados sistematizados, surgiu a ideia de escrever o artigo para submissão em periódicos científicos.

“Como o tempo entre a pesquisa de campo e a apresentação do TCC ficou muito próximo, eles finalizaram o trabalho para aprovação no curso, mas ficamos com a ideia de, mais adiante, organizá-lo de uma maneira que desse para publicá-lo em algum periódico, o que somente aconteceu este ano, quando retomamos o contato nesse período de pandemia”, relatou a docente, que é mestra em Agricultura e Ambiente e doutora em Produção Vegetal pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

 Também assinam o artigo outros dois pesquisadores – Carla Maria Correia Martins e Ricardo Barros Silva –, que colaboraram no processo de escrita e amadurecimento das discussões dos resultados. CLIQUE AQUI para acesso direto à publicação em inglês e português, cujo título é “Salinização da água na foz do rio São Francisco: impactos na comunidade Potengi, Alagoas”.

Sobre o trabalho

O estudo buscou avaliar a percepção da população ribeirinha quanto aos efeitos da salinização, além de analisar a qualidade da água fornecida no povoado Potengi. Para levantar os dados, os estudantes realizaram entrevistas com moradores e analisaram amostras de água coletadas em quatro pontos da comunidade, para aferição de pH, condutividade elétrica, teor de salinidade e turbidez.

Os dados sistematizados mostraram a exposição da população a níveis elevados de sódio e água turva, completamente fora dos parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Para se ter uma ideia, uma das amostras da água fornecida pela rede de abastecimento local apresentou nível salino 17 vezes maior que o limite estipulado pela OMS e um índice de turbidez 15,6 vezes superior ao padrão técnico estabelecido.

Estudo sobre salinização da água na comunidade de Potengi“São alterações que têm afetado a saúde dessas pessoas, comprometendo diretamente o uso da água e a composição da fauna e flora na região. A pesca e a agricultura, principais fontes de renda na comunidade ribeirinha de Potengi, são as atividades mais prejudicadas pela percepção dos moradores”, afirmou o egresso João Luís, acrescentando que, durante a realização do trabalho de campo, também foi possível identificar a ineficiência do poder público quanto a ações informativas e mitigadoras, ou seja, com o objetivo de minimizar ou eliminar os impactos negativos causados.

Sobre como surgiu a ideia do TCC, João Luís contou que desde a infância sempre teve um apego emocional ao Velho Chico. “Resido em Igreja Nova e, quando viajava a Penedo, eu ficava encantado com a imensidão do rio, sua flora e fauna, simplesmente impecável. Mas, com o passar do tempo, acabei encarando um cenário cada vez pior, o rio cada vez mais raso, cada vez mais poluído”. A curiosidade em entender a situação, somada à bagagem acadêmica adquirida no curso técnico em Meio Ambiente do Ifal, fez o estudante transformar sua inquietação em objeto de estudo para seu TCC, desenvolvido em parceria com sua colega de turma Denise, que também é de Igreja Nova.

“Para mim, que apenas sou um turista, já é complicado ver essa situação, imagina para quem tem contato diário com o rio. E, por mais que eu tentasse entender, nunca saberia a dimensão do problema, pelo fato de morar em uma localidade não ribeirinha. Foi aí que surgiu a ideia de encontrar uma população ou grupo social que convivesse diariamente com o problema, para não só entender a situação, como também transmitir o que essas pessoas passam”, completou João Luís, que aguarda o fim da pandemia para ingressar na graduação em Enfermagem, curso para o qual foi aprovado como bolsista do ProUni em uma instituição privada de ensino superior.

Visibilidade ao tema

Periódicos científicos são uma importante fonte de informação para cientistas. São nessas publicações que pesquisadores compartilham com a comunidade técnico-científica o conhecimento produzido a partir de novas descobertas. A novidade pode, por exemplo, estar em um tipo de material ou em uma metodologia de análise, nas diferentes áreas. Para a professora Gleica Martins, ter trabalhos realizados por alunos de ensino médio com qualidade para submissão em periódicos não é algo corriqueiro. Portanto, é um fato que destaca o nível de amadurecimento acadêmico dos estudantes dos cursos técnicos ofertados pela Rede Federal.

Estudo sobre salinização da água na comunidade de Potengi“No ensino médio, eu jamais teria condições de escrever algo como eles, de perceber possibilidades de ajudar a alguém ou como resolver um problema de uma comunidade. O trabalho feito pelo João Luís e pela Denise foi realmente de intervenção, por isso, essa importância em mostrar um pouco do que foi sistematizado. Trata-de de alunos que desenvolveram, ao longo do curso, sua capacidade em pesquisar. A base de toda discussão é deles, e também pensaram em soluções, mostrando sua capacidade de, enquanto técnicos em Meio Ambiente, intervir na realidade local”, ressaltou a docente.

“Ver que o nosso trabalho pode contribuir com outros nesse sentido é muito importante. No decorrer da pesquisa, tivemos dificuldade em encontrar estudos relacionados a recursos hídricos e salinização. Então, o sentimento é de que, ao estudar o tema e expor os resultados, estamos contribuindo para o meio científico”, afirmou a egressa Denise. Ela espera que outras pessoas fortaleçam esse tipo de pesquisa na região estudada e em outras comunidades que enfrentam o mesmo problema. Atualmente, a estudante cursa a graduação em Fisioterapia, como bolsista do ProUni, em uma faculdade privada. Segundo Denise, antes de concluir o curso técnico no Ifal, ela já havia escolhido a área da Saúde para seguir carreira, o que a fez se interessar pelo tema do TCC, que também aborda aspectos da saúde da comunidade exposta ao consumo da água salinizada.

Estudo sobre salinização da água na comunidade de PotengiPara além do peso de encerrar o ensino médio com a publicação de um artigo e de levar o tema ao conhecimento da comunidade científica, o que a dupla de egressos do Ifal Penedo vislumbra mesmo é que os moradores de Potengi tenham os impactos da salinização da água na foz do rio São Francisco reduzidos de forma eficaz.

“Espero que a gestão do município de Piaçabuçu, responsável pelo povoado, olhe de outra forma para a população. Durante as entrevistas e coleta das amostras para a pesquisa, eu vi um povo simples, que sofria quieto, tentava comprar água, subia de barco o rio para pegar água com a salinidade menor, entre outras coisas. Por ser um município pequeno e o povo sobreviver da ajuda de outras pessoas, há um certo medo de cobrar intensamente uma solução que não seja paliativa. Então, com a visibilidade que uma publicação científica pode trazer, a gente espera despertar a atenção da gestão local, compensando esse receio da comunidade”, finalizou João Luís.