Você está aqui: Página Inicial > Campus > Penedo > Notícias > Pesquisadoras do Ifal Penedo fazem estudo sobre ervas utilizadas em práticas umbandistas
conteúdo

Notícias

Pesquisadoras do Ifal Penedo fazem estudo sobre ervas utilizadas em práticas umbandistas

Grupo buscou identificar e caracterizar os fitoquímicos presentes em seis ervas, para analisar a relação entre a religião e o conhecimento científico
por Lidiane Neves publicado: 16/08/2024 16h30, última modificação: 19/08/2024 09h43

A aproximação entre ciência e religião é um tema complexo e multifacetado. No Instituto Federal de Alagoas – Campus Penedo, um grupo de pesquisadoras fez da curiosidade de uma de suas integrantes um ângulo possível para percorrer esse caminho. Ao longo de um ano, elas desenvolveram um estudo que buscou investigar a relação entre a Química e a Umbanda, a partir da identificação e caracterização das propriedades químicas de seis ervas utilizadas nas práticas dessa religião brasileira, que combina elementos das tradições africanas, indígenas e cristãs.

“Eu queria fazer um projeto de pesquisa e precisaria ser algo relacionado à Química, já que eu estava em formação para ser técnica, mas também gostaria de uni-la a outra coisa. Nunca me considerei uma pessoa religiosa, mas sempre gostei de saber e pesquisar sobre as religiões a minha volta por curiosidade e, em alguns casos, fascínio”, conta a estudante bolsista Vitória Maria Coutinho Monteiro Siqueira.

Ela lembra que a ideia de pesquisar sobre a Umbanda surgiu em uma conversa com colegas de turma do ensino médio integrado sobre religiões de matriz africana. “Um amigo me sugeriu e eu abracei a ideia por conhecer pessoas praticantes e saber desse aspecto de cura que as práticas umbandistas trazem”, acrescenta a jovem, referindo-se ao uso ritualístico de ervas para fins espirituais.

 A definição das ervas a serem estudadas se deu a partir de sondagens prévias, levando-se em conta o fato de que o sincretismo que caracteriza a Umbanda faz com que alguns aspectos da religião se modifiquem de acordo com a região onde é praticada. “Fizemos entrevistas em dois terreiros, um em Neópolis [cidade sergipana onde a estudante reside] e outro em Penedo. A partir daí, selecionamos as ervas popularmente conhecidas como jurema preta, aroeira, capim santo, abre caminho, cidreira e canela de velho, que eram as que se repetiam nas práticas desses locais”, relata Vitória.

Sobre o estudo

Vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), o projeto de pesquisa foi executado entre o segundo semestre de 2023 e julho deste ano, sob a orientação das professoras Ana Laura de Sá Leitão e Elisangela Santos. Completa a equipe a estudante voluntária Amanda Cecília Macedo, que também é técnica em Química formada pelo Ifal Penedo e, até o início de 2024, cursava a graduação em Química Industrial. Atualmente, ela é aluna de Química Tecnológica e Industrial, na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em Maceió.

Pesquisa sobre fitoquímicos das ervas na UmbandaInicialmente, o grupo se concentrou na análise dos fitoquímicos presentes nas seis ervas, a partir da técnica da espectroscopia por infravermelho com transformada de Fourier (FTIR). O equipamento que torna esse método possível foi um dos adquiridos pelo Campus Penedo, no ano passado, para otimizar as atividades laboratoriais do ramo da química analítica na unidade de ensino. Trata-se de uma técnica versátil e rápida que permite identificar a estrutura de amostras e investigar sua composição química, caracterizando os compostos moleculares.

A bolsista do Pibic explica que os fitoquímicos são substâncias bioativas encontradas em plantas e benéficas à saúde e bem-estar. “Elas agem no organismo, algumas como anti-inflamatório, outras como calmantes, antioxidantes etc.”, exemplifica. Além desses efeitos citados, o estudo confirmou nas ervas analisadas a presença de propriedades químicas que funcionam como analgésicos, sedativos, relaxantes ou cicatrizantes, e que ajudam, por exemplo, a reduzir sintomas de ansiedade e estresse, melhorar o sono, proteger o organismo e prevenir doenças.

Na etapa final da pesquisa, a equipe conseguiu agregar um outro método de análise que, segundo a professora coorientadora Elisangela Santos, elevou o nível do trabalho. “Demos ênfase em observar as diferenças químicas entre as plantas, através da análise multivariada chamada PCA”, diz, referindo-se à Análise de Componentes Principais, um método estatístico de múltiplas variáveis, que facilita a visualização e a análise dos dados.

 Trata-se de uma técnica permite o reconhecimento de padrões, reduzindo a dimensionalidade de conjuntos de dados com muitas variáveis. “De forma simples, o que a PCA fez no nosso estudo foi separar os grupos a partir dos fitoquímicos que mais se destacaram nas ervas, pois no FTIR algumas ligações químicas não dá para ver. Já na PCA, com os gráficos, isso fica claro. A gente consegue perceber quais delas são mais próximas, isto é, que tem fitoquímicos parecidos uns com os outros, e quais são mais diferentes”, resume a estudante Vitória Maria. Para essa análise multivariada, o grupo contou com a colaboração externa da pesquisadora Pamela Dias Rodrigues, bolsista de pós-doutorado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Tradição e avanços científicos

 Como contextualizado na pesquisa desenvolvida, a Umbanda valoriza o uso ritualístico de diversas ervas em suas cerimônias. “Elas são utilizadas em rituais de purificação, defumação e cura. Acredita-se que cada erva possui propriedades espirituais e terapêuticas específicas, contribuindo para o equilíbrio e a harmonia do indivíduo e do ambiente”, detalha Vitória, com base no trabalho prévio de campo feito junto ao Centro Espírita Umbandista Raio de Luz, localizado em Penedo.

Ela menciona que, assim como outros elementos naturais, as ervas são vistas pelos umbandistas como manifestações diretas das energias dos orixás. “No caso das plantas, o orixá Ossain é o homenageado e invocado para garantir o uso correto e respeitoso das plantas em práticas espirituais”, acrescenta.

Ao estudar os fitoquímicos das ervas utilizadas nesses rituais, a fim de estabelecer os ativos presentes em cada uma e suas propriedades químicas, o que a equipe buscou foi justamente associar o efeito da prática de cada erva com a substância química presente nela, de modo a avaliar a convergência existente entre a religião e sua efetividade em bases científicas. “Vimos que as informações obtidas pelo método científico batiam com a função de cada erva utilizada. Então, nesse caso, a prática religiosa e a ciência convergem”, destaca.

 Para visualização dos resultados, o grupo fez uma tabela na qual separa as seis ervas, evidenciando os fitoquímicos encontrados na literatura e em outras pesquisas e os efeitos colaterais desses ativos no corpo. “Isso durante o relatório parcial, antes da finalização das análises das amostras. Quando a gente concluiu todo o processo da parte de laboratório e investigou os fitoquímicos presentes nos gráficos gerados pelo método FTIR, percebemos que todos eles iam ao encontro das informações que a gente buscou na literatura científica”, reforça.

Divulgação científica

Pouco antes de concluir o relatório final da pesquisa, a equipe submeteu o trabalho para apresentação no 15º Workshop de Quimiometria, que aconteceu no último mês de julho, em Salvador (BA). Acompanhadas pela professora Elisangela, as alunas Vitória Maria e Amanda Cecília compartilharam com o público do evento todo o caminho metodológico percorrido para estabelecer uma relação entre as propriedades químicas das substâncias vegetais e as práticas religiosas estudadas, de forma a contribuir para uma compreensão mais abrangente da Umbanda.

 “Foi bem desafiador e uma experiência única. Não sei ainda nem definir em palavras, só sei que foi uma primeira experiência de apresentação de trabalho científico fora de Alagoas muito boa. Eu me considero muito sortuda, porque foi a minha primeira participação em projeto de pesquisa, que foi submetido em um evento grande e eu já consegui compartilhar os resultados com pesquisadores de diversos lugares, então assim, foi desafiador e uma grande vitória”, reconhece a jovem pesquisadora, que recebeu ajuda de custo do Ifal Penedo para deslocamento e estadia durante os dias do evento, assim como as outras duas participantes.

O Workshop de Quimiometria é promovido pela UFBA e reúne docentes, estudantes e profissionais com interesse em estudos relacionados à aplicação de métodos estatísticos em dados de origem química. O encontro acontece desde 2011, principalmente, no território baiano, mas já foi realizado em cidades de outros estados, como Paraíba, Paraná e Rio Grande do Norte, ampliando o seu alcance. Na edição de 2024, foi anunciado que as comunicações científicas apresentadas durante o evento serão publicadas em um número especial da conceituada revista Food Chemistry.