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Desenvolvimento de projeto vinculado ao Neabi Penedo rende produção de conto ilustrado

Escrita por Israel Lucas com ilustrações de Kaylhane Vasconcelos, narrativa aborda vivências negras e regionais em povoado penedense
publicado: 17/07/2024 13h07, última modificação: 17/07/2024 15h41

Imarlan Gabriel (estagiário de Jornalismo sob supervisão de Lidiane Neves)

Com representações da cultura afro-brasileira, estudantes do Instituto Federal de Alagoas – Campus Penedo lançaram o conto ilustrado “Domingo Ensolarado” (CLIQUE AQUI para conferir a publicação). A produção literária tem como autor do texto o estudante Israel Lucas Ferreira dos Santos, recém-formado técnico em Química, e como autora dos desenhos a aluna Kaylhane Vasconcelos Brandão, que cursa o 3º ano da formação técnica em Meio Ambiente integrada ao ensino médio.

A partir da narrativa proposta por Israel Lucas, a dupla trabalhou em conjunto, sob a supervisão dos professores Marcio Abreu (Sociologia) e Aguimario Pimentel (Língua Portuguesa). A iniciativa está vinculada ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) como um dos resultados dos projetos artísticos e/ou culturais selecionados no segundo semestre do ano passado.

A partir da narrativa proposta por Israel Lucas, a dupla de estudantes trabalhou em conjunto, sob a supervisão dos professores Marcio Abreu (Sociologia) e Aguimario Pimentel (Língua Portuguesa).Escrever é a minha paixão”, frisou Israel Lucas. O texto produzido por ele tem como cenário o povoado quilombola Tabuleiro dos Negros, em Penedo, onde vivem duas pessoas que possuem uma forte amizade desde a infância: Samarina e Jeremias.

“Ambos são afrodescendentes e visam melhorar a situação de suas famílias, mas cada um segue um caminho diferente na vida. Samarina possui talento musical para cantar e tocar pandeiro. Ela aproveita o máximo dos seus dons para garantir seus objetivos. Jeremias vive das vaquejadas, onde enfrenta vários desafios nas pistas com seu cavalo. A história do conto é focada no reencontro entre eles numa festa popular do povoado”, descreveu o idealizador do projeto.

Já os desenhos feitos por Kaylhane Vasconcelos foram inspirados em suas lembranças pessoais ao ter contato com o texto escrito por Israel, além das referências sugeridas pelo próprio autor. “A história se passa em uma ambientação onde minhas vivências me ajudaram a explorar as ilustrações, principalmente, na capa, que é uma imagem que vem à minha cabeça quando lembro da minha infância e que tem muito a ver com os personagens e o local onde se passa o conto”, detalhou.

Para Marcio Abreu, a dupla esteve muito envolvida no trabalho artístico. “Israel e Kaylhane mergulharam de cabeça no projeto. Eles se identificaram bastante com o tema, que é extremamente relevante para toda a sociedade alagoana, e trabalharam com uma motivação enorme para produzir uma obra rica em detalhes e qualidade literária. Eu fiquei muito feliz em ver o desempenho deles”, enfatizou o professor de Sociologia.

Regionalismo e afrodescendência

Com relação à representação dos personagens, Israel contou que sua principal referência foi a escritora estadunidense bell hooks.O enorme apreço que tem pela cultura nordestina foi uma das motivações de Israel Lucas ao propor a obra literária. “Para mim, é fundamental qualquer artista reconhecer o lugar onde vive. Eu sempre busquei criar histórias que sejam um reflexo da nossa cultura. Quero falar daquilo que seja do interesse do povo, algo feito de nordestino para nordestino”, argumentou o jovem.

Como referências para a construção da narrativa, Israel se inspirou em artistas da música que apresentam uma visão regionalista em suas obras, cujas histórias criadas por eles são sobre suas vivências em lugares que se assemelham com os do público. O estudante disse que é possível notar essa abordagem em artistas de vários gêneros da música brasileira, como no reggae de Edson Gomes, no manguebeat de Chico Science, no forró de Luiz Gonzaga e no rap do grupo Racionais MC's, por exemplo.

Quem já vivenciou ou vive situações que o Mano Brown [integrante do grupo Racionais MC’s] canta em suas músicas, mesmo não tendo crescido numa periferia paulista, vai se identificar, pois as letras batem com a realidade de outras periferias brasileiras. Por isso, escolhi trabalhar com essa narrativa, pois consigo apresentar com mais profundidade as vivências dos povos quilombolas no Nordeste”, explicou.

Com relação à representação dos personagens, Israel falou que sua principal referência foi a escritora estadunidense bell hooks. “Ela é uma das escritoras mais importantes nas últimas décadas. Foi especialmente no seu livro Olhares Negros, que eu conheci uma série de temas importantes, como a questão dos estereótipos das pessoas negras, algo que costuma acontecer com frequência na mídia. As obras de bell hooks são necessárias para termos a percepção desses problemas, que devem ser combatidos”, disse o autor do conto.

O professor de Sociologia, Marcio Abreu, orientou o trabalho quanto às temáticas envolvidas.Segundo o professor Marcio Abreu, Israel tem uma leitura extensa sobre os temas abordados no conto. “Tanto que levou indicações de livros, de autores que trabalham com esses assuntos, para as reuniões da equipe, além de ter usado o coco de roda [dança da região Nordeste] na narrativa”, citou. Já com a colega Kaylhane, Israel compartilhou filmografias que serviram de inspiração para sua arte. “Ele me enviou referências encontradas em filmes que tinham os aspectos que procurávamos, como as vestimentas dos personagens e o cenário”, completou a ilustradora.

Por ter amizade com moradores do povoado retratado, Israel falou sobre preconceitos e estereótipos que deseja quebrar. “Eu acho muito importante trazer a visibilidade das culturas quilombolas da região, que não costumam ser reconhecidas e ainda são malvistas por conta das suas religiões: umbanda e candomblé. É comum ver alguns retratos negativos do Nordeste, onde muitas vezes o povo é mal representado de forma muito caricata. Esse tipo de abordagem não é feito para conscientizar as pessoas sobre os problemas e não condiz com a realidade atual”, salientou.

Processo criativo e orientação

Muitos dos elementos presentes no conto foram pensados por Israel desde 2022, quando se interessou pela arte de escrever, criando pequenas histórias em seu caderno de anotações, das quais, para uma delas, surgiram ideias para desenvolvê-la. Quando foram anunciadas as inscrições para submissão de propostas ao Neabi do campus, ele contou que sentiu vontade de participar, porque seria uma oportunidade de se lançar no meio literário.

Para submeter o seu trabalho, Israel apresentou o enredo aos professores de Sociologia e Língua Portuguesa, que demonstraram interesse em ajudá-lo a transformar o texto em uma obra literária. “Ele chegou na minha sala com a temática pronta, eu só fiz alguns retoques. Abracei a ideia porque ela estava muito bem elaborada”, afirmou Marcio.

Em seu trabalho de orientação, Aguimario se encarregou de ajustar a proposta ao gênero literário conto.No trabalho de orientação dividido com o colega docente, Aguimario se encarregou de ajustar a proposta ao gênero escolhido. “Israel nos chegou com material que renderia uma saga de livros”, brincou o professor de Língua Portuguesa. “Minha colaboração foi, então, no sentido de orientá-lo quanto aos elementos que caracterizam um conto literário”, disse, referindo-se às características ligadas a personagens, espaço, tempo e conflito desse tipo de narrativa.

Convidada pelo próprio Israel para completar a equipe do projeto, a aluna Kaylhane afirmou ter ficado feliz pela oportunidade em demonstrar suas habilidades de desenho. "Sempre fico muito lisonjeada quando sou chamada para colaborar em um projeto, pois não é apenas para mostrar aquilo que gosto e me divirto fazendo, mas também para aprender”, revelou a estudante, que já participou como ilustradora de outras ações do Campus Penedo, a exemplo do 1º Concurso Desenhart Ifal e 2º Encontro de Humanidades, além de expor duas telas no 3º Festival de Arte Fátima Menezes, realizado no Campus Piranhas.

Sobre o trabalho atual, ela destaca que “fazer esse tipo de projeto não é só pegar um papel ou uma tela e desenhar; é entrar no tema, na história, e estudá-lo. Eu gosto de me sentir parte do desenho, de saber o que estou abordando e a importância do tema, trazendo uma parte de mim nele”, destacou Kaylhane.

Kaylhane Vasconcelos foi convidada por Israel Lucas para colaborar com suas ilustrações.Ela é muito talentosa, não somente pela estética de suas artes, mas também pela sua criatividade. Suas ilustrações, além de marcantes, conseguem captar muito bem a essência do conto, trazendo consigo um reflexo fiel do Nordeste. Acho fundamental reconhecer e valorizar o trabalho de pessoas que têm um olhar mais atencioso da nossa região e que conseguem através da arte mostrar o nosso melhor”, elogiou Israel.

Ambos ressaltaram que o trabalho de supervisão dos professores ajudou-lhes a aprofundar e refletir sobre a proposta por trás do conto. “Suas orientações foram essenciais para melhorar a narrativa, deixando-a mais curta e interessante, de forma que qualquer pessoa possa ler. A trama de Samarina e Jeremias também teve mudanças e ficou com mais profundidade”, reconheceu Israel.

Marcio Abreu informou que, ao longo dos meses de execução do projeto, promoveu reuniões com os estudantes, nas quais trouxe pesquisas, reflexões e troca de indicações bibliográficas sobre negritude, referências afro-brasileiras e ancestralidade quilombola, para auxiliar na construção dos personagens, localidade e expressão musical. Para ele, o Ifal Penedo cumpriu o papel de aperfeiçoar as habilidades e permitir o encontro de talentos do campus para produzir uma obra em comum.

A minha avaliação é muito positiva para o resultado desse projeto. O trabalho que Israel e Kaylhane desenvolveram demonstra a maturidade intelectual e a capacidade de compreender o papel da arte e da cultura no processo de ensino-aprendizagem, dialogando com sociologia e história", concluiu o docente da área de Humanas.