Notícias
Técnicos formados no Ifal querem retribuir à sociedade melhorias conquistadas com a instituição
Profissionais aprenderam desde cedo que mudanças fazem parte do processo de aprendizagem
Acássia Deliê, Adriana Cirqueira e Jhonathan Pino - jornalistas
Nesta sexta-feira, 18, começamos uma segunda etapa da série de reportagens do portal, “2ª Casa”. Agora vamos conhecer as trajetórias de servidores do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) que aqui tiveram suas primeiras oportunidades com a formação técnica e, ainda que não sejam docentes, contribuem para a manutenção, o ensino e o desenvolvimento do aprendizado de discentes, na mais antiga instituição de ensino técnico do estado alagoano.
Muitos desses técnicos foram formados em diferentes momentos da Escola Agrotécnica Federal de Satuba (EAFS), enfrentaram dificuldades diversas para concretizar seus estudos e agora dizem perceber a importância de superação desses empecilhos, para a melhora de suas vidas. Como parte deles vivia em outros municípios, antes de iniciar o curso técnico, tiveram que se adaptar a dividir o quarto e o humor com seus colegas, algo que virou tradição na família de José Walter Gomes Costa, que junto com seu irmão, ingressou na EAFS, em 1978. Antes deles, outros dois irmãos e vários primos haviam passado pelo curso técnico de Agropecuária.
Filho de agricultores do município de Pindoba, ele relata que o regime interno o fez entender melhor as pessoas. Para ele, a diversidade de culturas, a educação doméstica, a disciplina, e muitas vezes, a indisciplina, foram muito importantes para sua formação.
“Não era permitido ficarmos de conversas pelo pátio, nos horários de aulas. Trabalhávamos e estudávamos. Aprendemos muito” e continua o servidor: “o curso era um espetáculo, os alunos vinham do campo e saiam preparados para tomar conta de fazendas de qualquer porte. Na época, a vocação realmente era para o trabalho rural. Da capital, praticamente não havia ninguém”.
Além do relacionamento pessoal, Walter disse que teve de se adaptar a estrutura da instituição. “Dormíamos em colchões de capim. Quem trazia um colchão de espuma, travesseiro ou ventilador, era considerado rico. E era constantemente atormentado pelos colegas. As brincadeiras eram tão pesadas que quando me formei, disse que nunca mais voltaria. Por ironia do destino, cá estou. E muito satisfeito por ter voltado,” afirma.
Aquelas lembranças ficariam guardadas em sua memória até 1996, quando teve a oportunidade de voltar à instituição, em um outro papel. Naquele ano, ele ingressou, por concurso público, como auxiliar em agropecuária e ficou lotado na fábrica de ração. Desde então, vem passando por praticamente todos os setores da unidade.
Walter lembrou que seu trabalho o proporcionou acompanhar o reflorestamento de espécimes nativas, a formação de um corredor ecológico e o reaparecimento de diversos animais silvestres. Hoje, alunos do Ifal e das escolas da região realizam visitam guiadas nas trilhas ecológicas do campus, que tem uma das maiores reversas da região.
“Gosto muito de trabalhar aqui e foi como responsável pelo meio ambiente que realizei um dos trabalhos mais significativos: contribuí para a recuperação da mata atlântica, no campus”, explica.
Um auxiliar doutorando
Da zona rural de Arapiraca, Manoel Santos da Silva também teve que se adaptar ao internato, em Satuba. Filho de agricultores, ele tinha que percorrer diariamente, de bicicleta, os 9 km de estrada, debaixo de sol e chuva, para concluir o ensino fundamental. Uma realidade que começaria a mudar, com seu ingresso na EAFS, em 1993.
“Esse passo foi o mais importante para minha vida. Foram três anos de muita aprendizagem com o sistema escolar. A filosofia de aprender a ‘fazer, fazendo’ parecia parte de um ritual que selaria a profissionalização para a área de agropecuária, ou qualquer caminho que viesse trilhar”.
Ainda durante o ensino técnico, Manoel prestou concurso para auxiliar em agropecuária e foi aprovado em primeiro lugar, mas ele não quis ficar restrito a sua área profissional. Em 2000 cursou Letras na Fundação Universitária de Alagoas, atual Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), em Arapiraca, e naquele período tinha que viajar para trabalhar todos os dias, em Satuba. O servidor ainda se especializou em Produção de Suínos e em Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Também fez mestrado em Ciências da Educação e em 2017 ingressou no curso de Doutorado em Educação, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde hoje estuda os impactos do curso profissionalizante na vida dos egressos do curso de formação inicial e continuada do Proeja de Satuba.
Segundo Manoel a dinâmica de estudar os dois turnos foi importante, pois para ele, a integração da educação básica com a educação profissional auxilia no ajuste do perfil profissional e no crescimento humano. Ele comentou que seus sobrinhos buscaram o ingresso na instituição, inspirados pela sua trajetória, um deles é ex-aluno e servidor do campus, o técnico em Agropecuária, Ademar da Silva Paulino. “Minha participação, ingresso e sucesso escolar, proporcionou pontos positivos para quem acompanhava minha trajetória, como aluno” explica.
Enquanto se qualificava, Manoel atuava no gerenciamento das atividades agrícolas e pecuária e nos últimos 10 anos, gerenciou o laboratório de agroindústria. Além disso, participou de comissões de sindicâncias, comissões de pregões e licitações, aquisição de produtos emergenciais, colaborou como presidente do conselho editorial do Ifal e como coordenador adjunto da Rede e-Tec Brasil, do instituto.
Profecia de mãe
Em Maceió, em 1990, Ana Maria dos Santos fez uma importante revelação a Joaquim, o mais velho dos três filhos: “quando vocês eram pequenos, pedi a Deus que um dia pudessem estudar naquela escola bonita”. Naquele ano, Joaquim havia realizado o sonho da mãe. Depois de tentar pela segunda vez o Exame de Seleção, ele se tornava estudante do curso técnico em Eletrônica, da antiga Escola Técnica Federal de Alagoas (Etfal), em Maceió. E nem imaginava que sua trajetória estava apenas começando na instituição.
Nascido no bairro do Jacintinho, Joaquim dos Santos Júnior teve uma infância difícil, ao lado dos irmãos. Aos cinco anos de idade, viu os pais se separarem e a mãe ser obrigada a criar os três filhos sozinha. As condições financeiras não eram boas. Mesmo assim, o trio cresceu entre as brincadeiras de rua divertidas, divididas entre os bairros de Cruz de Almas e do Vergel do Lago. Nenhum deles gostava de futebol, mas adoravam basquete, skate e o irmão mais novo se descobriu um excelente músico.
Já Joaquim, o mais velho, se interessou mesmo por eletrônica. O primeiro contato com a área foi por meio das aulas à distância, do Instituto Universal Brasileiro. Depois, veio a vontade de estudar na Escola Técnica Federal de Alagoas (Etfal), onde trabalhou como bolsista em diversos setores administrativos. O dinheiro ajudava a se manter no curso e ajudar um pouco a família.
“A Etfal mudou a minha vida pelo avesso”, conta. “Lá, encontrei toda a estrutura que não tinha em minhas escolas anteriores, os métodos de ensinos dos professores, cada um com suas particularidades, as disciplinas de eletrônica que me fascinavam. Como maior experiência, trago meu contato com a Física. Embora não tenha sido a disciplina que me deu as maiores notas, mas foi a que mais despertou meus interesses”.
Três anos depois, entretanto, Joaquim se viu obrigado a interromper os estudos em Maceió. Ele havia passado num concurso público federal para o cargo de servente de limpeza, também na Etfal, mas na unidade de Palmeira dos Índios. Em 1994, ainda no mesmo cargo, foi transferido para a capital, onde trabalhou por mais 13 anos. E somente no ano 2001 conseguiu concluir o curso e receber o sonhado diploma como técnico em Eletrônica.
“Lá, encontrei toda a estrutura que não tinha em minhas escolas anteriores, os métodos de ensinos dos professores, cada um com suas particularidades, as disciplinas de eletrônica que me fascinavam", recorda Joaquim dos Santos.
Daí em diante, os caminhos se abriram ainda mais e Joaquim fez graduação em Administração Pública, pelo agora Ifal, por meio do polo EAD de São José da Laje. Ele também se viu apto a prestar um novo concurso, desta vez na sua área de atuação preferida. Em 2009, foi aprovado para ingressar no Ifal, como técnico em audiovisual, primeiro em Satuba e depois transferido ao Campus Marechal Deodoro, onde trabalha até hoje, atuando tanto nas atividades cotidianas como em grandes eventos da instituição.
“Eu faço o que gosto… eletrônica. Para mim, o trabalho não é um peso, é lazer, uma terapia, tenho falado isso aos meus colegas de trabalho. Com certeza minha mãe nunca imaginaria que aquele pedido dela a Deus tivesse uma repercussão tão grande na minha vida. O Ifal foi a porta para o ensino médio, superior, profissão e para servidor público”, diz Joaquim.
Agrônomo saiu da capital para se encontrar no interior alagoano
Apesar de ter nascido na capital alagoana, foi no interior que o engenheiro agrônomo do Campus Santana de Ipanema, André Luiz Araújo, diz ter se encontrado, tanto profissionalmente, quanto pessoalmente. Ainda em 2001, quando aprovado para o curso técnico em Agropecuária, ele teve sua primeira mudança de residência. Para ele, aquele momento foi de adaptação.
“A gente sempre relembra das dificuldades. Como éramos internos, a gente tinha limitações, pagava pela nossa estadia, em Satuba. Era sofrido, não tinha bolsa, não tinha nada daquilo que é ofertado nos dias atuais”, comenta.
Mas foi também naquele mesmo período em que ele despertou seu interesse pela área profissional em que hoje atua. “Satuba tem um diferencial. Já existia uma tradição muito grande, era o mesmo que fazer um curso de Agronomia, tanto pelas atividades práticas, quanto teóricas”, observa.
No entanto, a mudança de seus pais para o município de Arapiraca iria fazê-lo postergar seus planos. O ano era 2004 e como na época não existia o curso de Agronomia no agreste alagoano, André teve que se adaptar novamente a uma nova realidade, foi quando começou a atuar profissionalmente na região.
A espera por uma oportunidade para continuar sua formação durou até 2006, quando a Ufal inaugurou um Campus em Arapiraca, ofertando o Bacharelado em Ciências Agronômicas. Antes mesmo de terminar a graduação, em 2010, André já havia sido aprovado para o cargo de engenheiro agrônomo, em concurso federal.
“Fui chamado em 2012, como não tinha terminado o curso, foi uma correria. Eu tive que fazer o TCC [Trabalho Conclusão de Curso], às pressas, foi quando conheci o professor Gilberto Neto, no Campus Santana do Ipanema, que viria a ser meu orientador”, detalha.
No dia 17 de outubro de 2012, ele tomava posse no Instituto Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, e ficaria por lá quase dois anos, quando foi redistribuído para o Ifal, na Unidade de Santana, a mesma cidade em que havia conquistado o primeiro emprego e conhecido sua esposa.
“Nunca imaginaria que o mundo daria tantas voltas e que eu trabalharia aqui. E ainda mais, com o meu orientador de TCC, o Gilberto. Eu tenho esse vínculo com a cidade. Hoje eu vim para ficar, não tenho intenção de sair. Tenho o prazer de trabalhar na região e fazer com que melhore a vida das pessoas, através do Instituto”.
Para ele, atuar no Ifal é contribuir para o desenvolvimento da região que o acolheu. Como faz parte das atividades do seu cargo acompanhar os professores nas aulas práticas, nas visitas técnicas, ele lembra de algumas das dificuldades iniciais para que isso acontecesse de forma adequada. À época em que iniciou no Ifal, o campus não possuía espaços próprios para atividades experimentais e os espaços da Uneal foram adaptados temporariamente, para os mesmos fins.
"Hoje eu vim para ficar, não tenho intenção de sair. Tenho o prazer de trabalhar na região e fazer com que melhore a vida das pessoas, através do Instituto”, afirma André Luiz.
“Mas desde 2016, depois da criação da fazenda experimental, estamos evoluindo. Ontem mesmo, eu participei de um processo licitatório para a compra de equipamentos para esse espaço. Então, é uma satisfação quando a gente consegue algo que possa melhorar a aprendizagem dos alunos, fazendo-os se prepararem para entrar em um mercado tão competitivo”, pontuou.
Atualmente André é chefe de Departamento de Administração do Campus Santana, mas ele disse que ainda que essa função tome bastante de seu tempo, procura manter-se próximo às atividades práticas do Curso de Agropecuária. “Eu costumo estar engajado nas atividades realizadas na fazenda experimental. O que eu faço é tentar conciliar a parte administrativa com a parte agropecuária. Tento dar o suporte na compra de material, atuando na esfera dessas duas áreas, para não deixar a função que estou hoje e não esquecer minhas origens”, explica.