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Servidores utilizam o cotidiano como fonte para inspiração literária
Sentimentos presentes na instituição e cultura local são traduzidos em verso e prosa
Adriana Cirqueira e Roberta Rocha - jornalistas
No dia do servidor público, 28 de outubro, a literatura ganha espaço no Portal do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), porque Genuzi de Lima e Cosme Rogério Ferreira, personagens da série de reportagens “Talentos da Casa” não precisam se afastar do trabalho para dar espaço para a criatividade: esta advém da cultura local, de suas conversas com os colegas ou alunos, em seus ambientes de trabalho.
De dentro de suas unidades, a literatura costuma ganhar formas de aldravias, cirandas, contos, cordel, crônicas, haikais, indrisos, rondel, sonetos, cartas e prosa poética. Não existem limites para a poesia, afirma Genuzi. Servidora pública há mais de 30 anos, sendo a maior parte em exercício no Campus Satuba, a auxiliar em administração não procura restringir suas experiências de vida aos trâmites burocráticos da instituição. Hoje, com formação em teologia e bacharelado Letras, ela comenta que o que a interessa mesmo são as histórias de vida das pessoas.
"Comecei a trabalhar em Satuba no dia 2 de maio de 1994. Adoro atender ao público, porque me encanta e fascina e me faz ver a vida sob outro prisma. Além disto, sou fanática por letras, sons, sorrisos, silêncio, amor, sofrimento, angústia, tintas e outros lirismos, que manifestam-se em versos. Por isso me tornei poetisa. O que me inspira é o instante", define.
Seus escritos tratam de temas variados e esses instantes de inspiração podem ser acionados pela alegria, pela injustiça, politicagem, pelo drama, tragédia, a angústia, ou o amor. “Escrevo e não lembro, mas comecei a publicar em 2010”, recorda.
Apesar de ter nascido na cidade de Osasco, São Paulo, Genuzi relata que suas influências vêm de Alagoas. “Meu coração é natural de Palmeira dos Índios, cidade escolhida também pelo Mestre Graça”. Além de Graciliano Ramos, a servidora explica que recebeu influências de outros "mestres dos escritos" como Gregório de Matos, Florbela Espanca, Chico Buarque, Djavan, Fernando Pessoa, o professor Zé Branco e cordel de Zé Pretinho, mas deixa claro, "Não pertenço a nenhuma etnia”.
Como forma de estímulo à produção, Genuzi vem participando de diversos concursos no estado, mas como a pandemia tirou dela o contato com uma das maiores fontes de inspiração, a única saída foi continuar se expressando por meio eletrônico. Hoje, ela conta com Blog da Genuzi, o Recanto da Letras e o Pensador. "Adoro trabalhar em Satuba, atender ao público. Para hoje o que me sobra é saudade", desabafa.
"Poesia doida e solta no espaço"
Os versos ao lado, carregados de uma oralidade que dialoga com a cultura popular e o universo sertanejo, são do poema Desafio (para Lira), de autoria do professor de Filosofia do Campus Batalha, Cosme Rogério. O docente é natural de Majé, Rio de Janeiro, mas reside desde a infância em Palmeira dos Índios. Ele diz que foram nas vivências do Agreste alagoano e no contato com poetas populares que se inspirou para dar seus primeiros passos no campo da poesia.
“Eu fui estimulado a escrever na escola, sobretudo em meu tempo no Cefet, em Palmeira dos Índios, graças ao estímulo dado por professores, que promoviam saraus, recitais e concursos de poesia. Mas o gosto pela poesia vem de muito cedo, vem de casa, das trovas populares alagoanas que vovó recitava, dos cordelistas e emboladores do meio da feira, dos rezadores de benditos nas romarias ao Juazeiro…”, relata.
O encantamento com as rimas e as palavras cresceu à medida em que ele explorava também a arte da declamação, e se firmou ainda mais a partir do envolvimento com a obra de Graciliano Ramos, em sua pesquisa de mestrado.
Cosme coleciona prêmios, participação em festivais literários. Em 2016, apenas um ano após ingressar no Ifal, publicou o livro "Radiações de fundo cósmico", uma coletânea de poemas que extrapola a marca do regionalismo, retratando questões existenciais, temas do cotidiano no interior e a admiração do autor pelo cosmos. Nas palavras do poeta, sua obra é local, mas é também universal.
“O título do meu primeiro livro é uma metáfora disso. Faz referência tanto à imensidão do cosmo quanto às antenas repetidoras das serras de Palmeira dos Índios, as torres de microondas retratadas por Filipe Brasil e tendo a Via-Láctea por fundo na foto que abre o livro. Isso dá o caráter diverso de minha poesia doida e solta no espaço. Eu penso o universo, mas piso o chão de Palmeira dos Índios”.
O professor que consegue unir poesia e filosofia em escritos de caráter metafísico parece não se intimidar com outras linguagens artísticas. Cosme já se lançou em produções teatrais, fotográficas e, durante a quarentena, começou suas primeiras pinturas em tela. Onde ele encontra motivação para traduzir todas as suas paixões no papel?
“Eu acho que o ‘segredo’ está na construção da sensibilidade poética, que nos torna capazes de poetizar e colocar em relevo a beleza do que é cotidiano, por vezes tido como trivial. Acho também que minha motivação é de ordem existencial: escrevo para significar e ressignificar o mundo”, finaliza.
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