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Professoras do Ifal protagonizam atuação técnica em cursos de predominância masculina
Por Jhonathan Pino e Lidiane Neves, jornalistas, e Isabelle Guedes, estagiária de Jornalismo
Apesar das vagas de uma instituição como o Instituto Federal de Alagoas (Ifal) estarem abertas a todos, a desproporção entre homens e mulheres, na ocupação de alguns dos seus espaços, ainda é uma regra. Para elas, uma série de costumes culturais acaba afunilando as suas decisões de carreiras a determinados campos de atuação profissional. Na segunda matéria especial do Dia Internacional do Mulher, trouxemos a história de três docentes que escolheram o “incomum” e enfrentam até hoje as barreiras que a desigualdade de gênero impõe, em áreas predominantemente masculinas.
Semear mais oportunidades para colher menos desigualdades
Envolvida com a área de Informática desde o ensino médio, a professora do Campus Penedo, Alana Messias, 32 anos, acumula no Ifal uma trajetória acadêmica e profissional que mescla questionamentos, pioneirismo, desafios e oportunidades.
Quando adolescente, durante os quatro anos em que cursou o técnico integrado no Campus Maceió, a servidora lembra que, embora houvesse equilíbrio entre o número de alunas e alunos na turma, vivenciou situações que somente mais tarde a fizeram refletir sobre discriminação contra mulheres no campo da Tecnologia da Informação (TI) e as consequências da desigualdade de gênero no mundo do trabalho.
“Eu era alheia a essas reflexões e, como sempre tive uma boa relação com todo mundo, não ligava muito e fazia a minha parte. Mas, por exemplo, havia uma certa surpresa da parte de alguns professores ao entregar as atividades propostas, não apenas por eu ter conseguido cumprir a tarefa, como também por apresentar um bom trabalho. Era tipo um ‘olha só, ela fez. E não é que ficou bom?’, e eu não entendia muito bem o porquê dessa reação”, recorda Alana.
Um outro estranhamento dos tempos de ensino médio estava relacionado à carreira acadêmica do corpo docente. “Lembro que a gente comentava que ‘havia o professor fulano que entrou na mesma época que a professora beltrana e ele já é doutor e ela ainda não é’. Depois, analisando sob o recorte de gênero, é que encontramos respostas. Às mulheres, são atribuídas mais responsabilidades familiares. Então, mesmo quando se trata de pessoas com a mesma configuração familiar, ou seja, os dois casados e com filhos, para a mulher, essa realidade doméstica sempre pesa mais”, reflete Alana.
Durante a graduação, ela teve a oportunidade de vivenciar o ambiente universitário de uma área predominantemente masculina em três diferentes instituições. “Entrei na Ufal [Universidade Federal de Alagoas] em 2010, como estudante de Ciência da Computação, depois solicitei transferência para o curso de Sistemas de Informação do Ifal Maceió e obtive meu diploma pela Universidade Estácio de Sá, ao concluir o curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas em 2016”, relata. Segundo Alana, no ensino superior, a presença de estudantes do sexo feminino nos cursos pelos quais passou era bem menor que no ensino técnico de nível médio, mas eram raras situações de caráter machista por ela percebidas.
Como técnica e analista de TI do Ifal, cargos públicos que ocupou de 2012 a 2020 e entre maio e novembro de 2022, respectivamente, a servidora conta que encontrou um ambiente de trabalho amistoso. “É claro que sempre tem um ou outro que duvida se você sabe realmente o que está fazendo, mas isso nunca me intimidou”, pontua a servidora, que no hiato entre 2020 e início de 2022 foi analista de TI concursada da Ufal.
Em ambos cargos da carreira técnico-administrativa em educação (TAE) e instituições, sua trajetória é marcada pelo pioneirismo. “No Ifal, junto com a Priscylla, fomos as duas primeiras mulheres técnicas de TI. Como analista, fui não só a primeira, como até então única, a ocupar o cargo de nível superior. Já na Ufal, eu fui a segunda”, destaca. A colega que Alana menciona é Priscylla Maria da Silva Sousa, que estudou na mesma turma do curso integrado com ela e hoje também é professora do Ifal, mas lotada no Campus Rio Largo.
Desde que ambas deixaram de ser TAEs e se tornaram membros do corpo docente, dados atualizados da Diretoria de Gestão de Pessoas (DGP) mostram que o cenário de servidores da área de Tecnologia da Informação no instituto segue desigual. São, ao todo, 31 técnicos de nível médio, dos quais apenas duas do sexo feminino, e 14 analistas de TI, todos do sexo masculino. “Já entre o corpo docente, tenho uma percepção diferente”, avalia Alana. “A quantidade de professores e professoras é mais equilibrada, e isso desde que eu era aluna do ensino médio no Ifal. Tive ótimas referências femininas, inclusive, fui orientanda de pesquisa de uma delas: a professora Eunice Palmeira, atual pró-reitora de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação”, completa.
Com experiência em sala de aula desde 2019 – inicialmente, como docente substituta no Campus São Miguel, e há pouco mais de um ano como efetiva no Campus Penedo –, Alana encara como missão agregar aos conteúdos que ministra conhecimento sobre o protagonismo feminino na área de Informática e promover reflexões sobre desigualdades de gênero.
“Temos uma mulher [Ada Lovelace] como a primeira pessoa programadora de computadores no mundo, e é importante evidenciar esse tipo de informação para que meninas também se vejam nesses lugares de grandes feitos e marcos históricos”, ressalta e conclui: “o que levo de toda minha trajetória até aqui para a sala de aula é sempre estar atenta para incentivar e criar oportunidades, quando percebo que há alunas que se interessam pela área”.
No curso de Mecânica, professora lida com avaliação constante
Quando criança, Cleunis Brandão enxergava a soldagem como a varinha mágica do Mickey Mouse, no filme Fantasy, e o torno mecânico como uma máquina mágica, “capaz de transformar pedaços de metal em objetos de ouro e prata, ao ver os processos em bronze e alumínio. A mecânica era mágica, aos meus olhos”, relembra.
Ao crescer e ver a atuação de seu pai, como empresário na área de Mecânica, e da sua mãe, professora do Ensino Básico, ambas profissões iriam influenciá-la o exercício da docência, no Ifal. Cleunis sairia de sua cidade natal, Cajueiro, em Alagoas, para se formar em Engenharia de Produção Mecânica e Engenheira de Segurança do Trabalho, na Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalharia na iniciativa privada, passando pela indústria naval, indústria de alimentos e de semijoias, na área de processos industriais, uma trajetória profissional diversa, mas que não a protegeria de passar por constante avaliação de colegas e alunos, em sala de aula.
“A experiência de ser mulher e atuar em área predominantemente masculina traz realidades diferentes daquelas inseridas nas ‘visões e missões’, que pregam a ‘igualitariedade’ entre todos os colaboradores. Culturalmente, na mecânica, todos procuram ‘o professor do laboratório’, ‘o coordenador do curso’ e quando se deparam com ‘a professora no laboratório’, a maioria das vezes, preferem voltar em outro horário, onde podem encontrar o professor”, lamenta a docente.
Para Cleunis, que ingressou no Ifal em 2014, para atuar como docente no curso técnico de Soldagem, do Campus Coruripe, o fato de ser mulher a faz enfrentar barreiras que superam o conhecimento na área.
“Ser mulher nos coloca num lugar desconfortável de exposição a assédios (moral e sexual) nos ambientes com predominância masculina, isto é fato! Seja pelos pares, e/ou pelos discentes. Tive experiências negativas neste sentido, dentro do Ifal. Paira sempre uma dúvida com relação à competência em dar aulas práticas de mecânica. A primeira aula é praticamente um espetáculo, onde os discentes ficam em plateia para assistir se você ‘sabe mesmo fazer a prática’. E passam o semestre comparando e testando seus conhecimentos. Até constrangimento para ter um banheiro feminino à disposição das professoras (eu e de outras áreas que dão aulas na mecânica)”, ressalta Cleunis.
Quando atuava em Coruripe, onde foi coordenadora de curso, Cleunis era a única docente a atuar na área Técnica de Soldagem. Em 2023, ao ser removida para o Campus Maceió, foi a primeira professora na unidade a lecionar disciplinas mais técnicas, como Produção Mecânica, Tornearia, Caldeiraria e Soldagem. Ao tempo em que vem enfrentando dificuldades, Cleunis acha que seu protagonismo tem impacto na vida das alunas.
“Para as alunas, sou uma referência de que a Mecânica também é delas. De que podem ocupar esse lugar. E muitas têm alcançado êxito na área, após o curso, se destacando nos estágios e ocupando as vagas de emprego em empresas de destaque. Temos a admiração dos/as colegas que percebem a força que precisamos ter para ocupar o lugar em que estamos e da importância desse movimento. Aqui estou eu, mulher, feminina e da mecânica”, comemora a docente.
“Cada vez mais mulheres escolhem as engenharias”
Para Sheyla Marques, professora do campus Palmeira dos Índios, atuar em uma área ocupada por homens representa desafios para mulheres nas exatas.
‘'Senti muito também, no decorrer do curso e até hoje, de colegas de área, o estereótipo de gênero. Sugerem que não temos as mesmas habilidades técnicas que os homens. Isso muitas vezes reflete na falta de reconhecimento e oportunidades e o machismo vai se perpetuando’’, relata a professora de Engenharia Civil do Ifal.
Com um extenso currículo na docência, entre eles, sua participação na missão de cooperação técnica entre Brasil e Moçambique e capacitação na Finlândia, através do programa Professores para o Futuro, Sheyla conta que ainda é descredibilizada por ser mulher, sendo questionada do seu trabalho e por não dar atenção ao que seria de fato, uma ‘’atividade feminina’’.
‘’Em virtude das cobranças do patriarcado, ainda acumulamos responsabilidades familiares e pessoais. Já ouvi, por exemplo, numa reunião de trabalho o seguinte questionamento: você não tem marido e casa pra cuidar não? Só vive trabalhando’’, conta Sheyla.
A docente, que entrou no Ifal em 2011 e está presente no curso de Engenharia Civil na unidade, desde o ano de sua criação, em 2013, observa que o cenário tem mudado de forma lenta, “mas tá mudando’’. Ela constata isso a partir do aumento no número de alunas nas engenharias. Mas para Sheyla, para que isso se mantenha, é necessário um trabalho conjunto.
‘’Superar esses desafios exige um esforço coletivo para promover a igualdade de gênero, incluindo a conscientização sobre os problemas enfrentados pelas mulheres, a implementação de políticas que promovam a diversidade e a inclusão, e o apoio ativo às mulheres, em suas carreiras’’, reitera.