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Alunas do Ifal superam preconceitos e assumem desafios de áreas culturalmente masculinas

Conheça histórias de desbravadoras dos cursos técnicos de Eletroeletrônica, Mecânica e superiores em Matemática e Engenharia Elétrica
publicado: 07/03/2024 11h22, última modificação: 07/03/2024 14h19

Por Jhonathan Pino e Roberta Rocha, jornalistas, e Isabelle Guedes, estagiária de Jornalismo

Seja no Sertão, no Agreste, ou na capital alagoana, cursos do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), que eram predominantemente masculinos, veem suas salas e laboratórios sendo cada vez mais ocupados por jovens mulheres. Trouxemos aqui os relatos de algumas que não só escolheram estudar, como são referência nas atividades que desenvolvem, ao longo de sua formação. 

A princípio, um curso dominado por homens causa ansiedade sobre como será o acolhimento. O sentimento de Fabíola Santana, estudante no 9º período de Engenharia Elétrica do campus Palmeira dos Índios, é compartilhado por muitas mulheres que se interessam na área de exatas, mas temem o ambiente.Fabíola Santana é uma das criadoras e primeira presidente do Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica.jpeg

‘’Eu posso falar com convicção que a engenharia me escolheu. Com a oportunidade, eu tive medo do que poderia enfrentar dentro de uma graduação (por ser um curso quase totalmente masculino), porém fui firme e tive coragem de ir”, afirmou.

A aluna disse que a cada período se sentiu mais acolhida e integrada, e hoje assume protagonismo no curso. Fabíola é uma das criadoras e primeira presidente do Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica (CAEEL). Segundo ela, a confiança surgiu justamente por se sentir respeitada pelos colegas de classe.

‘’Foi depois de observar isso [acolhimento] que eu vi que iria conseguir assumir lideranças dentro do grupo. Eu pude representar bem todo o corpo discente do meu curso, o qual tive muita confiança de todos também’’, conta. 

Menos força e mais cabeça

Na capital alagoana, Illany Lima também está entre as mulheres que contrariam as estatísticas. Ela é uma das seis alunas da sua turma do 3º ano a fazer o Curso Técnico de Mecânica, no Campus Maceió, um número que significa o avanço em uma área que sempre foi marcado pela masculinidade.De Anadia, Illany Lima, superou medos e preconceitos, ao escolher fazer Mecânica no Campus Maceió

“Como qualquer decisão importante na vida, que a gente deve tomar, eu tive muitos medos antes de seguir a área da Mecânica, por ela ser uma área mais buscada pela masculinidade. Apesar dos desafios encontrados, eu aprendi muito com isso e pude ver que na minha sala, a gente pode sim fazer esse curso, porque não é uma área masculina, mas uma área que eles têm muitos preconceitos”, sentenciou.

Hoje fazendo estágio, Illany revela que o comum é que as mulheres sejam colocadas nas áreas administrativas, apesar dela querer seguir a vida prática.

“Eles não colocam na prática porque eles acham que as mulheres não são capazes de seguir aquela área, de estar num serviço que exige esforço, usando o pretexto de que as máquinas são pesadas, sendo que não é preciso realmente usar as mãos, mas sim as máquinas para trabalhar. Por exemplo, na usinagem, a gente usa o torno mecânico, isso não exige nada da nossa força, isso é mais fruto do manuseio de máquinas”, comenta. 

Fazendo a diferença na Matemática

Para chegar ao Campus Piranhas, o percurso de Josefa Mariza tem 10 minutos de ônibus e 30 minutos a pé. O caminho diário, entre o Povoado Gameleira, localizado na zona rural do município de Pedro Alexandre, no estado da Bahia, e a unidade do Ifal, no Sertão alagoano, não parece ser um empecilho para que se torne uma futura professora de Matemática.Josefa Mariza sai diariamente da zona rural, no estado da Bahia, para assistir aulas no Campus Piranhas.jpeg

“Tô fazendo o terceiro período da licenciatura em Matemática, decidi fazer exatamente a licenciatura por saber da falta de professores no mercado de trabalho”, comenta a estudante de graduação.

Josefa lembra que nas escolas ainda não é muito comum a presença de mulheres ensinando a disciplina. “Fiz o fundamental na zona rural e o médio na zona urbana, na cidade de Pedro-Alexandre. Todos os meus professores de Matemática, durante todo esse tempo, foram homens. Apenas no terceiro ano do ensino médio que foi uma professora”, recorda-se.

Mas ela visualiza mudanças desse panorama, já que estuda com outras mulheres na sua turma. “Isso me deixou mais tranquila. Ao chegar aqui e ver que a maioria dos alunos eram mulheres, isso trouxe mais esperança para um mundo de igualdades. Como sabemos, a área de exatas geralmente era ocupada por homens e uma minoria era mulher, ver que a mudança tá acontecendo é gratificante para todas nós, mulheres”, comentou.

Outra atividade que vem ampliando o olhar de Josefa para a questão da abertura da ciência para mulheres é a sua participação no Projeto de Iniciação Científica, “Mulheres negras e Matemática”, em que está fazendo um levantamento de artigos científicos produzidos por aquele perfil de profissionais, entre os anos de 2013 e 2023.

“Até o atual momento, temos encontrado alguns trabalhos de mulheres negras na Matemática, pois sabemos que existe, grandes matemáticas, mas sabemos também que falam de mulheres matemáticas, mas na maioria das vezes são brancas”, explicou a graduanda.

Busca por oportunidades iguais

Ana Maria dos Santos, estudante do 3° ano do curso técnico de Eletroeletrônica, do Campus Arapiraca, também se mostra esperançosa sobre a mudança do cenário de discriminação sofrida mulheres em uma área majoritariamente ocupada por homens no mercado de trabalho. 

"No primeiro ano, eu tinha muito medo de não conseguir me destacar, ser deixada de lado e ver todos os meus colegas recebendo projetos e eu ficar lá... Não por não ter capacidade, mas por julgarem que eu não sairia bem. É especialmente constante esse pensamento de que que eu preciso me sobressair, para que olhem para mim e eu tenha uma oportunidade", lamentou.Ana Maria dos Santos reforça que o diploma é o mesmo e por isso mulheres não devem ser tratadas de fora diferente na busca por oportunidades.jpeg

Mas a estudante comenta que já é possível ver mais mulheres ocupando aqueles espaços masculinos. Em sua turma, por exemplo, o número de meninas já é maior que o de meninos. Essa foi uma realidade que a surpreendeu, porque desde a escolha do curso, ela imaginava que seria uma exceção entre o público masculino. 

No entanto, ela comenta que é importante que docentes do curso atentem para, no momento de indicar estudantes para projetos e estágios, que sejam dadas oportunidades igualitárias aos dois gêneros. Por meio de ações nesse sentido, seria possível enfrentar o preconceito sofrido fora da instituição. 

Ana Maria conta as vezes em que, mesmo tendo o conhecimento técnico, teve que lidar com a falta de credibilidade das pessoas ao explicar algo da área no seu círculo social. "Quando eu entrei no Ifal, eu já estava familiarizada com essa realidade [discriminação de gênero], porque a gente tem que lidar com isso desde pequena. Mas aqui [no campus] encontrei rede de apoio, das outras alunas, das professoras, das servidoras", comenta.

A aluna disse não esperar vantagens, mas que as mulheres sejam vistas como profissionais, assim como os homens. “Porque quando a gente sai com o diploma técnico daqui, nós somos tão habilitadas quanto eles: estudamos as mesmas matérias, passamos pelas mesmas provas, adquirimos o mesmo conhecimento. Então não é justo nós sermos invalidadas", sentenciou.