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Seleção de craques: jovens doutores dão novo fôlego à educação profissional na Zona da Mata alagoana

publicado: 28/04/2017 18h48, última modificação: 01/05/2017 21h01
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Hilana Oliveira dedicada a testes laboratoriais para suas pesquisas

Eduardo, Fábio, Gentil II, Géssika, Hilana, Ingrid, Leona, Luzia, Nelson, Paulo e Poliana. Parece escalação de time de futebol, mas é a lista dos onze docentes com doutorado concluído, de idade entre 29 e 35 anos, lotados no Campus Murici do Instituto Federal de Alagoas – Ifal. A unidade de ensino da Zona da Mata alagoana tem grande concentração de profissionais com esse perfil e encerra a série Jovens Doutores, produzida pelo Departamento de Comunicação e Eventos do Ifal.

Muitos dos pesquisadores entrevistados para a reportagem são ex-alunos de institutos federais, a exemplo de Eduardo Lima e Poliana Pimentel, nascidos em terras caetés. A maioria deixou seu estado de origem para tentar a vida em Alagoas, seja ainda criança, como a maranhense Ingrid de Melo e o paraibano Nelson da Silva, ou já na fase adulta, com o intuito de assumir o posto de professor na instituição federal de ensino, como a baiana Hilana Oliveira.

Alguns destacam a origem familiar humilde, caso do mineiro Paulo Boa Sorte e da cearense Luzia Márcia Silva, ambos filhos de agricultores. Outros tiveram toda a trajetória educacional em escolas públicas, tal qual a carioca Leona Varial e a pernambucana Géssica Carvalho.

O que todos os jovens doutores do Ifal Murici apresentam em comum é a vitalidade que conseguem imprimir no estilo de dar aula. Eles praticam esportes, adoram viajar, são apaixonados por séries. O espírito aventureiro e o vigor juvenil próprios da personalidade de cada um acabam refletindo na forma como tocam os projetos profissionais.

Jogada audaciosa

O ingresso de Ingrid de Melo no Ifal ilustra essa ousadia típica da pouca idade. Formada em Nutrição pela Universidade Federal de Alagoas – Ufal e aluna da primeira turma do curso de graduação em Tecnologia de Alimentos ofertado no Campus Maceió, ela foi aprovada na vaga de nutricionista do concurso da instituição, em 2011, e decidiu não assumir o cargo porque estava com o doutorado em andamento na Rede Nordeste de Biotecnologia.

Foi uma das decisões mais difíceis que tive que tomar, mas eu já tinha ampla convicção que queria ser professora, então decidi abdicar. Todo mundo achava que era loucura, só que seria muito difícil conciliar aquela ocupação com o sonho que eu tinha e que percorria há tantos anos. Aí continuei vivendo como bolsista. Até que em 2013 passei no concurso para docente. Fui nomeada, ingressei como efetiva no Ifal e estou até hoje”, conta a pesquisadora.

Com estudos na área de ciência dos alimentos e da interação dos alimentos com a saúde humana, Ingrid foi recentemente selecionada, pela segunda vez consecutiva, para receber a bolsa produtividade, incentivo financeiro concedido pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação do instituto a docentes com relevante produção científica. “Quando a gente é mais novo, tem que ter lenha pra queimar mesmo”, resume a beneficiada.

O ímpeto de apostar naquilo que acredita é também uma atitude característica do professor Gentil Luiz II. Concluinte do doutorado em Física aos 27 anos, hoje, aos 29, ele tem reinventado a própria carreira. “Resolvi realimentar uma antiga paixão, o empreendedorismo. Ano passado, criei um movimento chamado Inovativismo, onde a proposta principal é a necessidade de qualquer profissional inovar em sua área de atuação. Tenho levado essa mensagem através da palestra Inovar não é preciso”, relata.

Criador da campanha StartDoing, uma iniciativa focada na economia de água que envolveu alunos do campus e repercutiu na internet, o professor é presença marcante nas redes sociais. “Tenho um canal no Youtube, o Física em Dose Dupla, e os alunos me acompanham pelo Instagram. Isso gera uma proximidade entre nós”, afirma.

Sobre a capacidade de manter o clima amistoso em sala de aula, Gentil II atribui à sua personalidade descontraída e a métodos utilizados para desenvolver a empatia. Ele pesquisa modelos de ensino colaborativos e práticas pedagógicas baseadas em um modelo de gestão de pessoas focado na geração de empatia e engajamento de funcionários em corporações, além de ter publicado artigo científico acerca do tema.

“Procuro proporcionar um clima extrovertido durante as aulas. Uma vez por semana, faço alguma dinâmica ou leio um conto oriental com moral da história. Além disso, estamos iniciando um projeto onde os alunos com interesses extracurriculares em comum se reúnem em equipes. No final do ano, eles vão trazer um ‘produto-consequência’ dessa experiência”, narra o docente aprovado no concurso do Ifal com apenas 22 anos.

Parceria em campo

No Campus Murici, a ajuda mútua dá o tom não só da relação professor-aluno. Entre os docentes Paulo Boa Sorte e Leona Varial, a parceria é na profissão e na vida. Eles são casados e atuam juntos em atividades de pesquisa e extensão voltadas para pequenos agricultores dos assentamentos rurais da Zona da Mata alagoana.

Leona tem doutorado em Biotecnologia Vegetal, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui estudos na área de controle biológico para a broca da cana-de-açúcar, utilizando a bactéria Bacillus thunrigiensis. Ingressou no Ifal em 2013, onde o marido já lecionava desde 2011.

Paulo formou-se doutor em Ciência do Solo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e desenvolve trabalhos de fixação biológica de nitrogênio em cana-de-açúcar. Ex-aluno do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, diz que foi lá onde surgiu o interesse pela docência. “Em virtude dos excelentes professores que tive o privilégio de conhecer”, explica.

Vestindo a camisa

O exemplo comprometido de outros profissionais também fez o graduado em Química, Eduardo Lima, optar pela carreira docente. Doutor em Educação, o ex-aluno da Escola Agrotécnica, atual Campus Satuba, reconhece o impacto positivo trazido pela vivência que teve na educação profissional.

“Aquela escola transformou a minha vida, mostrou-me que era possível sair de uma condição que não oferecia grandes perspectivas, me abriu os caminhos para eu estar onde estou hoje. Ali tive professores que me acolheram, me incentivaram. Então nesses sete anos de instituto federal, busquei levar aos meus alunos a mesma atenção que recebi dos meus antigos professores”, esclarece.

Para ele, o desafio de atuar em uma instituição federal de ensino consiste em lidar com alunado de alto nível. “A gente tem no instituto alunos com um potencial enorme, temos que nos preocupar em atender esse potencial. É preciso estar sempre se qualificando para responder as demandas desse público”, opina o docente.

Por outro lado, a vantagem, de acordo com Eduardo, é que os alunos do instituto não são, em sua maioria, problemáticos em termos de comportamento. “São alunos que buscam uma inserção social mais comprometida. Logo, requerem um diálogo aberto e proponente, sem espaço para imposição linear”, defende o pesquisador, ao lembrar não ser mais cabível que o professor olhe o aluno como um ser ‘sem luz’, mero receptor de conteúdos.

Em relação aos trabalhos desenvolvidos no campus, Eduardo articula pesquisas na área de biodiesel, de tratamento de efluentes, além de investigar a formação de professores para a educação básica. Com um projeto de extensão, tem levado ludicidade ao ensino de química nas escolas da rede pública da região de Murici, Branquinha e União dos Palmares.

De onde vem a inspiração para isso? Da própria atuação. “Não sou um professor tradicional no sentido de só usar o quadro e o piloto. Sou aquele tipo que, se deixar, dança, samba mesmo, praticamente um artista. Como eu trabalho com jovem, tento buscar uma linguagem mais próxima dele. Para isso, eu acabo subindo na mesa, eu acabo sentando no chão com eles. Tento usar também a tecnologia, o diálogo e a ciência como meios para se atingir o aprendizado”, conta o profissional.

Tática adaptada

Outra jovem doutora interessada em inovar nas abordagens em sala de aula, Géssika Carvalho, de 35 anos, já nutria o sonho de trabalhar no instituto federal antes mesmo de concluir o doutorado em Sociologia na Universidade Federal da Paraíba. “Minha família toda é de São José da Coroa Grande, do lado de Maragogi, onde tem uma unidade do Ifal. E eu sempre olhava, quando eu ia passar férias, tinha vontade de dar aula lá. Vi quando eles ainda estavam em uma escola cedida, vi sendo construída a nova sede e sempre tive esse desejo”, revela.

A professora dos cursos de Agroecologia e Agroindústria do Campus Murici desenvolve pesquisas relacionadas a consumo, identidade e juventude, além de atuar no Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne) da instituição. Para ela, é necessário conhecer os alunos para desenvolver um trabalho dentro da realidade deles.

Procuro utilizar recursos pedagógicos como música, poesia, imagens e fotografias, exemplos práticos pegando a realidade local, coisas que chamem a atenção. Como gosto muito de conhecer novas culturas, experimentar novas situações, tento estabelecer uma relação das minhas experiências ao tratar dos processos de socialização, que são diferenciados em outros países, em outros lugares. Isso enriquece também o leque cultural dos alunos”, comenta.

Virando o jogo

Oriundo de uma família pobre, de agricultores, o doutor em Zootecnia, Nelson da Silva, aproveitou as oportunidades surgidas através dos estudos para crescer intelectualmente. “Quando vim para Alagoas, em virtude da seca na Paraíba, fui estudar na antiga Escola Agrotécnica de Satuba. Lá foi que me deu um rumo para que eu pudesse ser alguém na vida. Por ter essa vocação agropecuária, foi onde eu despertei para a Zootecnia”, comenta sobre sua trajetória acadêmica.

Aos 25 anos, ingressou no serviço público federal como professor do Instituto Federal de Pernambuco. Quatro anos depois, conseguiu redistribuição para o Ifal, onde trabalha com sistemas de produção animal de base agroecológica. “Na pesquisa, abordo a criação de animais em ambientes inóspitos, a convivência com o semiárido nordestino. Na extensão, tenho desenvolvido projetos que contemplam a pegada hídrica nas atividades agrícolas e pecuárias. Desenvolvo com os alunos daqui do campus a quantificação de toda água que é consumida nesses ambientes rurais, sobretudo em assentamentos da reforma agrária e em comunidades remanescentes quilombolas”, explica.

O pesquisador atua ainda com milho produzido em sistema hidropônico, uma técnica de cultivo de plantas sem uso do solo; além da conservação de recursos zoo-genéticos nativos e produção de forragens que sirvam para alimentação animal em período de entressafra de alimentos. “A principal vantagem de concluir o doutorado jovem é ter uma disponibilidade, um gás maior para abarcar tantas atividades”, define.

Torcida fiel

Da área de engenharia de alimentos, a docente Hilana Oliveira concorda com a empolgação atribuída aos jovens recém-concluintes do doutorado. “Você ganha mais tempo para curtir sua carreira. Já tem mestrado, já tem doutorado, então foca em investir em projetos de pesquisa, de extensão”, acrescenta.

A rápida ascensão na vida acadêmica, ela considera fruto da influência dos pais, que a estimularam muito nos estudos. “Eles trabalharam incansavelmente para me oferecer educação de qualidade, então eu sempre fui muito responsável, me dediquei, tive posição de destaque ao longo da graduação”, declara Hilana.

Alguns professores começaram a perceber o domínio de conteúdo e a facilidade da jovem em apresentar seminários do curso e a alertaram para essa inclinação à docência. “Começou a surgir um pouco da professora nesse momento, diante do prazer que eu sempre tive em executar esse tipo de atividade”, esclarece.

Segundo a pesquisadora, definir isso já na conclusão do nível superior gerou um investimento imediato na carreira. “Fiz o mestrado logo depois, consegui concluir em um período até menor que os dois anos e emendei no doutorado pelo fluxo contínuo, sem nem mesmo me desligar da universidade”, diz a responsável pelo projeto de sucesso do iogurte tipo sundae sabor melancia, executado com a participação de bolsistas do campus.

Nós levamos a tecnologia de elaboração do produto para moradoras do assentamento Dom Hélder, para elas constituírem mais uma forma de geração de renda. É um projeto muito importante, na medida que propõe um outro uso para a melancia, além do consumo in natura, que é mais comum, como sobremesa. A técnica que desenvolvemos permite inclusive aproveitar mais efetivamente o excedente da fruta”, garante, sobre o projeto de extensão.

Em sala de aula, o essencial para a docente é manter a capacidade de diálogo. “Eu gosto muito de dialogar com meus alunos, seja a respeito de conteúdos técnicos, seja a respeito de temas diversos. Eu acho que através do diálogo a gente consegue conquistar um aluno. Tenho uma abertura muito grande com meu aluno, de modo que ele sabe que pode chegar a mim para tirar qualquer dúvida ou para bater um papo de maneira informal”, detalha a professora.

Partida disputada

Falar de atuação profissional com a doutora em Engenharia Agrícola, Luzia Márcia Silva, de 30 anos, significa lembrar as etapas concorridas que ela teve que enfrentar ao longo da vida acadêmica. Depois de concluir as séries iniciais na zona rural da cidade de Nova Olinda, do Ceará, ela passou a estudar em escolas públicas da zona urbana. Foi aprovada para cursar a graduação em Juazeiro do Norte, fez especialização em Crato, também no Ceará, e depois seguiu para o mestrado e o doutorado em Campina Grande, na Paraíba.

Ela ingressou no Ifal em 2013, após ser classificada em primeiro lugar no concurso com quatro vagas para o curso de Agroindústria. Passados dez meses, conseguiu afastamento para concluir o doutorado e se dedicar integralmente às pesquisas. “Retornei às atividades agora em março, com minha tese defendida, com três produtos patenteados por meio dela”, comenta a pesquisadora, com orgulho.

Uma das lideres do grupo de pesquisa de Biotecnologia Aplicada aos Processos Agroindustriais, Luzia fala da conquista que é ser uma jovem doutora para quem rompeu com a trajetória de pouco estudo da família. "Meus pais não conseguiram estudar devido as condições, não conseguiram ter as mesmas possibilidades que eu tive, só têm até a quarta série do ensino fundamental. Minha formação inicial foi toda à base de muito trabalho, de muita dedicação deles, para que eu chegasse a alcançar o que pra eles era inalcançável", encerra.

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